sábado, 3 de abril de 2010

O Sacerdócio no Reconstrucionismo Helênico

Uma questão que tem sido levantada nos últimos tempos e com bastante reverberação pelos novos e não tão novos membros do grupo reconstrucionista helênico no Brasil é o sacerdócio. Como proceder numa prática religiosa institucionalizada se não há um dos principais elementos-guia desse processo que é o sacerdote, ou o arconte-basileus/heiroi no nosso caso ? 

A questão precisa ser analisada e repensada, fundamentalmente em sua estrutura.

Antes de mais nada é preciso levarmos em consideração que no Brasil não somos um grupo institucionalizado, o que é algo que tenho repetido muito para possamos nos diferenciar de casos estrangeiros onde há particularidades legais e históricas, além de estruturais que propiciam este tipo de coisa. Verdade seja dita, para que haja esse tipo de coisa é preciso uma certa proximidade, e mais que isso pessoas qualificadas para exercer tais funções. Uma instituição não se mantém por boa vontade dos deuses, é preciso investimento por parte dos membros que a compõe, e no Brasil já temos um certo histórico de charlatanice que nos deixa de olhos em suspenso para esse tipo de coisa, e de fato, sempre haverá alguém para se aproveitar da fé inocente de um ou outro indivíduo.  

Temos pessoas qualificadas, sim, sem dúvida! Mas há interesse em exercer esse tipo de função num contexto social além do seu conhecimento? Essa é uma questão que também precisa ser considerada. Querendo ou não o cargo de sacerdote impõe  algumas qualidades que fazem o seu status, e com tais qualidades há bônus e encargos. Retaliações, desrespeito, injúrias já são comuns para sacerdotes de todas as religiões por parte de seus opositores, no caso das religiões étnicas não deixa de ser diferente. E aqui voltamos novamente a questão da charlatanice e dos recursos para manter tal instituição. O sacerdócio não deixa de ser um ofício, e como tal, é justo que tal sacerdote seja pago por isso,a final, ele também atende por demandas. Quem arcará com tais custos ? Como reconhecer a legitimidade de tal profissão ? 

NIKASSIOS, (O Clero no Reconstrucionismo Helênico, 2007), aponta que uma das solução para o reconhecimento da legitimidade de tal classe no Hellenismos seria a criação de uma espécie de Colégio de Formação de Sacerdotes, mas para que tal caímos novamente na questão do financiamento. Porém, além do lado material , há outra esfera problemática para o reconhecimento e intitucionalização dos cultos, que é a esfera jurídica.

A Constituição Brasileira no seu artigo V, parágrafo VI diz: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias." Em termos práticos isso implica dizer que qualquer pessoa tem direito de exercer a sua fé, seja ela qual seja, sendo assim, se você acredita em um deus monoteísta, numa diversidade de deuses, em um casal de deuses (duoteísta), em nenhum deus, ou que deus seria o Mestre dos Magos, da Caverna do Dragão, você tem tanto direito de culto quanto as demais opções, mas fato é que cada organização religiosa tem um corpo ritual que lhe é próprio, e tais rituais religiosos não podem estar acima da lei maior que é a constituição. No parágrafo VIII do mesmo artigo a Constituição menciona que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei." Mas sabemos que não é assim. O direito de expressão da sua fé acaba onde começa o meu, ou onde arbitram leis superiores (não divinas, mas de importância maior para o Estado, como o Código de Direito Civil, ou Pena, e a própria Constituição). Tomemos um exemplo: na umbanda é comum nos ritos religiosos o sacrifício animal, o que pode ser visto por alguns como uma violação das leis ambientais em alguns casos como por exemplo o sacrifício de tartarugas em ritos específicos. Mas a constituição garante a lieberdade de culto, e aí?

No caso do Hellenismos esse problema de coerência rito-legislação não é tão recorerrente posto que já há um certo concenso entre os organismos institucionais ou não no que tange ao respeito às leis de cada nação; além do que há outras alternativas que podem, com coerência e criatividade, serem incorporadas como substituição. Fato é que temos uma estutura legal que em muito pode ser parecer ilusória; o Brasil é supostamente um país laico, porém não é bem assim que as coisas são na prática devido à convenções  socialmente impostas e que de certa forma geram um impacto positivo na economia e que dificilmente serão deixados de lado, como é o caso dos feriados nacionais de cunho religioso (Páscoa, Dia de Nossa Senhora Aparecida); porém, há outras questões que também precisam ser repensadas e que essas sim, podem ser corrigidas, como o caso da ostentação de símbolos religiosos em locais públicos e o ensino de Formação Religiosa nas escolas públicas, que mesmo não sendo obrigatório ainda está inserido no currículo (por mais que esta contemple a diversidade religiosa; penso que cabe a cada indivíduo buscar informações sobre uma prática religiosa que lhe interesse, posto que por mais que se defenda uma suposta 'diversidade' ela nunca será atingida em seu âmbito total, dados o ressuurgimento e revivalismo de religiões étnicas, como a nossa, e a corrente de proliferação de novas entidades religiosas novas a todo instante).

Voltemos ao sacerdócio! Fica exposto que nas condições em que vivemos e sob as quais atuamos, uma estrutura clerical, por mais necessária que seja, precisa ser muito bem repensada, estruturada e elaborada,e isso levará algum tempo. A solução mais viável, creio eu, é a continuidade dos pequenos grupos de prática e estudo em permanente comunicação com os demais para que seja assim viável a manutenção de uma comunidade politeísta helênica brasileira. Em suas práticas pessois cada grupo pode eleger para um um representante ritual, uma espécie de sacerdote para aquele momento, o que é até natural e comum, consciente ou inconscientemente, deixando claro que para o resto da comunidade esse sacerdote não ocupará as funções que ele desempenha em seu grupo, será mais um membro, mais ativo ou relevante, não vem ao caso, da nossa ágora. 

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